A Minha Quinta Dimensão

*Antes de ler este post, leiam por favor o post anterior.


Alberto Crispim era um homem normal, que levava uma vida normal. Tinha acabado de chegar a um hotel de Lisboa, onde ia ter uma reunião de negócios. Para ele, era apenas mais uma tarefa diária. Mas o que Alberto não sabia é que estava prestes a entrar na...

Quinta Dimensão.


Alberto chegara ao elevador do hotel, com capacidade máxima para 15 pessoas. O elevador ficou lotado. Nenhuma das pessoas conhecia as outras, mas iam todas para lá do 20 º andar.
De súbito, Alberto sente vontade de espirrar. Como o elevador estava à pinha, tentou aguentar, mas em vão. Mal teve tempo para levar a mão ao nariz quando soltou um sonoro “Atchim!”.

Todas as pessoas, como sardinha em lata, afastaram-se o mais possível de Alberto, que estava encostado ao painel do elevador. Temiam que fosse a gripe A.
E Alberto amaldiçoava-se, por não se lembrar de trazer consigo um lenço; tentava a todo o custo esconder a sua mão direita, parcialmente coberta de um espesso e abundante ranho.

Foi então que, entre andares, o elevador parou.

Os passageiros começaram desde logo a manifestar a sua indignação: uns diziam “era só o que faltava”, enquanto outros exclamavam “toquem o alarme do elevador” e outros começavam a entrar em pânico gritando “tirem-me daqui!”

Todos menos um senhor idoso com um fato vestido, que se encontrava à frente de Alberto.

Os passageiros mais assertivos insistiram com Alberto, visto estar encostado ao painel: “Ó senhor, toque lá o alarme.”
Alberto, sabendo que tinha a mão parcialmente coberta de ranho, hesitou até ter uma ideia; como estava a segurar a sua pasta com a mão esquerda, passou-a para a mão direita. Foi audível um inevitável “squish”, mas ao menos agora tinha a mão esquerda livre e, mais importante, limpa. Com o indicador esquerdo, fez soar o alarme.

Quando olhou para o cavalheiro idoso à sua frente, reparou que ele tinha uma escarreta enorme e verde entre o ombro esquerdo e as costas do fato, lentamente a descer pelas costas do casaco abaixo.

Poucos minutos passaram após Alberto soar o alarme, quando se ouviu uma consoladora voz de um dos trabalhadores do hotel: “Já estamos a tratar do assunto, temos um técnico connosco. Em menos de um minuto, tiramo-los daí!”
E assim aconteceu: o elevador arrancou com um solavanco, desequilibrando toda a gente. Para evitar que o senhor do fato lhe caísse em cima, Alberto amparou-lhe o ombro esquerdo com a mão esquerda.

O elevador desceu lentamente até ao andar mais próximo, o 15º.

Ao abrir a porta do elevador, o trabalhador do hotel explicou a situação: “Senhoras e senhores, não há razão para alarme, mas o nosso sistema de segurança detectou uma fuga de gás. Perante uma emergência, o sistema desliga os elevadores. Embora não haja razões para alarme, temos de pedir a todos que evacuem o hotel. Façam-no, por favor, usando as escadas de serviço à vossa esquerda, calmamente e em fila única.”

Alguns dos passageiros esboçaram uma reclamação, incluindo Alberto.
Certo era que ninguém queria sair do seu lugar porque tinham “coisas a fazer” e “coisas a tratar”. Os passageiros, incluindo Alberto, achavam que a equipa de manutenção deveria tratar do problema sem ter que os incomodar.

Mas o senhor do fato exclamou:

- Vamos, rápido! É o melhor a fazer, acreditem em mim!

E apontou para Alberto, dizendo:

- O senhor, vá á frente, eu vou logo atrás de si.


E assim fizeram, mas quando Alberto levou a mão direita (e ranhosa) ao corrimão, a mesma escorregou para a frente; com o corpo demasiado inclinado para baixo, Alberto tropeçou sobre si mesmo e rebolou pela escada abaixo, dando fortes pancadas em todos os 25 degraus até chegar ao 14º andar.

O senhor do fato apressou-se a chegar a Alberto. Preocupado, tentou levantá-lo, perguntando:

- O senhor está bem?
- Sim, só estou um pouco dorido.
- Que grande tombo que deu. E que grande susto nos pregou.
- Sim, sem dúvida. O dia já vai mal, e agora só me faltava esta.
- Ao menos não partiu a cabeça – brincou o senhor do fato.
- Sim, até posso dizer que tive sorte – respondeu Alberto no mesmo tom amigável.


O senhor do fato pegou na mala ranhosa de Alberto com a mão direita e entregou-lha:

- Vá, vamos descer, agora vou eu à frente. Siga-me de perto.

Antes que Alberto o pudesse avisar, o senhor do fato levou a mão direita ao corrimão e a mesma escorregou para a frente; com o corpo demasiado inclinado, o senhor do fato tropeçou sobre si mesmo e rebolou pelas escadas abaixo até ao 13º andar, partindo a cabeça pelo caminho.

Com a pasta na mão, Alberto desceu as escadas a correr em auxílio do senhor do fato.
Os restantes 13 passageiros ficaram embasbacados no mesmo local, o que se revelou ser um erro fatal. A fuga de gás era no 14º andar, dando origem a uma violenta explosão quando Alberto ia a meio do lanço de escada. Os passageiros tiveram morte instantânea e o fogo começou rapidamente a propagar-se para os andares acima.

Alberto, contudo, foi projectado pela explosão, deixando cair a pasta. Aterrou violentamente sobre o senhor do fato, que soltou o grito de agonia possível, visto ter várias costelas partidas.

Alberto levantou-se o mais rápido possível, mas ajoelhou-se logo a seguir à frente do senhor do fato para o ajudar a levantar-se. Desta feita, apesar das costelas partidas, o senhor do fato soltou um sonoro e enorme grito de dor e de horror:

- Aaaaaaaaaaah!!!!!!!!!
- O que se passa, doi-lhe quando se mexe?
- Não! O senhor está a pisar-me os tomates com o joelho!
- Ah, desculpe!


Alberto desviou o joelho e tentou levantar o tronco do senhor do fato, pegando-o pelas costas do ombro esquerdo; como o fato estava coberto de ranho nessa zona, a mão escorregou e a cabeça do senhor do fato bateu secamente no chão.

Quando Alberto ia tentar levantar novamente o senhor do fato, este interrompeu-o:

- Alberto...

Alberto fez uma pequena pausa, perguntando logo a seguir ao senhor do fato:

- Como sabe o meu nome?
- Eu sou o teu filho.
- O quê?!
- É verdade, vê na minha carteira.

Alberto rapidamente investigou o B.I. do senhor do fato; o nome era Joaquim Crispim, nascido em Lisboa no ano de 2005. Incrédulo, Alberto perguntou:

- Mas... que raio de truque é este?
- Não é truque, pai. Eu vim do futuro.

- Do futuro? Que raio de conversa é essa?
- Escuta com atenção, pai, não tenho muito tempo de vida.

- Mas...
- Deixa-me acabar, por favor. Tu morreste neste hotel em 2009, e eu fui criado pela avó Lucrécia.

- A avó Lucrécia?? E a tua mãe?
- Desde que morreste, a mãe começou a dar-me sovas com o pau de marmeleiro e chegava bêbada a casa com o teu melhor amigo, o Alecrim Paixão. Depois, ia para a cama com ele e punha a tocar discos do Tony Carreira, para eu não o ouvir gritar “Ai, Irene! Ai, Irene!”

- Que horror!
- Foi quando fugi para a casa da avó.

- E a tua vida ficou melhor?
- Não, porque o Avô Carriço batia-me todos os dias com o cinto.

- Meu Deus! E a tua avó, não dizia nada??
- Não, e ainda participava.

- Que horror! Como foram capazes de te fazer isso?!? Nem sei como assimilar a situação!
- Eu sei, mas agora também não interessa. Dada a minha infância, dediquei a vida a construir uma máquina do tempo para te salvar, e consegui. O homem que sou vai deixar de existir e ao salvar-te vou finalmente ter uma infância feliz.

- Meu Deus... E o que devo fazer agora?
- Agora deves ir embora, e já. Deixa-me aqui, que já cumpri o meu destino.

- Mas, assim vais morrer!
-Corre, por favor! Estou para além da salvação.... E não te esqueças de amar o teu filho.


O senhor do fato faleceu com um sorriso no rosto, fitando Alberto. Este, com as lágrimas a cairem-lhe pelos olhos, levantou-se e começou a correr; infelizmente, tropeçou na sua pasta e rebolou pelas escadas abaixo até ao 12º andar, partindo a cabeça pelo caminho.

Alberto perdeu os sentidos.

Quando veio a si, Alberto estava numa ambulância. Fora resgatado por bombeiros que tinham subido as escadas à procura de sobreviventes. O extraordinário episódio que tinha vivido não lhe saía da cabeça, principalmente o ter descoberto que a sua mulher teria ou iria ter um caso com o seu melhor amigo, e que os seus próprios pais tinham-se tornado criaturas violentas.

Combalido, sujo e ensanguentado, levantou-se da ambulância e dirigiu-se de imediato a casa. Quando chegou, irrompeu pela porta dentro, encontrando a sua mulher e o seu melhor amigo na marmelada.

Por marmelada, entenda-se, Irene estava toda nua só com sapatos de salto alto, enquanto o Alecrim estava nu da cintura para baixo, em cima do sofá com o rabo espetado para o ar. Irene espancava-lhe alegremente as nádegas com um ralador de cenouras enquanto Alecrim gritava de prazer: “Ai, Irene! Ai, Irene!”

Alberto interrompeu-os:

- Mas que raio é isto?!?!?

Irene tapou-se e rapidamente retorquiu:

- Alberto, querido, isto não é o que parece!
- Ah, não? Pois fica a saber que te quero fora desta casa! Vou a casa da minha mãe, e quando voltar, não te quero ver cá! Acabou!

E bateu com a porta, sem sequer dirigir uma palavra a Alecrim.

Alberto apanhou um táxi até à casa da sua mãe. Estava cada vez mais tonto e com mais náuseas, devido ao traumatismo que sofrera na última queda pelas escadas.

Quando chegou, irrompeu pela porta dentro, encontrando a sua mãe e o seu pai na marmelada.

Por marmelada, entenda-se, a sua mãe estava toda nua só com umas botas de “dominatrix”, enquanto o seu pai estava com um fato de “gimp” vestido, em cima do sofá e de rabo para o ar. A mãe chicoteava-lhe alegremente as nádegas enquanto o pai gritava de prazer: “Ai, Lucrécia! Ai, Lucrécia!”

Alberto interrompeu-os:

- Mas que raio é isto?!?!?

Lucrécia tapou-se e rapidamente retorquiu:

- O que estás aqui a fazer?!?
- Mãe, pai! Que raio de coisa é esta?

- Olha, filho, não te queixes! Foi assim que foste feito!
- O quê?!? Como assim?? Nem sequer estão a... Não interessa! É assim que passam os vossos dias?!? Seus porcos, nunca mais vos quero ver! E nunca mais vão ver o meu filho! Acabou!

E bateu com a porta quando saíu.

O pai de Alberto, o avô Carriço, calmamente virou-se para a Irene e disse:

- Aquilo passa-lhe. Continua, vá.


Alberto cambaleou pelas escadas abaixo, sentindo-se cada vez mais zonzo. Foi quando se lembrou que, com a raiva, se tinha esquecido do mais importante; o seu filho, que estava no infantário.

Com os passos cada vez mais irregulares e com a cabeça às voltas, cambaleou para o meio da estrada no intuito de chamar outro táxi para ir buscar o seu filho; foi então atingido por um autocarro da carris que não conseguiu travar a tempo, e que o projectou para o meio de um cruzamento.
Alberto ainda esboçou um movimento, mas em vão: um camião Tir que circulava na estrada transversal passou-lhe por cima.
Moribundo e com a cabeça virada para o céu, Alberto ainda abriu os olhos a tempo de ver um balde de cimento estatelar-se em cima da sua cabeça; o balde caíra acidentalmente de um prédio que fazia esquina e que estava em obras.

Alberto faleceu.


Alberto Crispim era um homem normal, que levava uma vida normal. Neste dia incomum, foi-lhe dada uma segunda oportunidade para viver, mas levado pela raiva e pela fúria, não a soube aproveitar.

Acabou por cumprir, assim, a profecia a que estava destinado...
Na Quinta Dimensão.



The End

2 comments:

Anónimo disse...

Bem... as férias estimularam a imaginação, disso não há dúvida nenhuma! Ahahahahahah!

Miguel M. disse...

Grande história, sim senhor!
Já pensaste en dedicares-te ao cinema? Ias ter algumas pessoas a comprar bilhetes, pelo menos quem tem paciência para ler estas histórias mirabolantes.
Epá... esquece, estava no gozo... dedica-te antes à pesca!!
Amanhã... ALMOÇO!! ah ah ah
Com o calor que está vamos sair do restaurante bem aviados.

Um abraço.